Parabéns, querida neta, pelos teus aninhos!
Vês, como o tempo passa depressa? Até a tua mana Xana está mais crescida: já anda, tem dentinhos, mexe em tudo – até no comando da televisão para mudar de canal…
Desta vez a Avó vai estar junto de ti para te dar muitos, muitos beijinhos. Desejo que a festa deste dia te deixe muito feliz!
Um xi-coração do tamanho do Mundo da Avó Soledade.
Não és somente a voz
A música
Que nasce nos teus dedos
Faz de ti o senhor das canções
O dono dos sons e seus segredos.
Caminha rente ao Sol
Sem desvios
A Lua quando vier, virá
Espelhada nesse mar
Onde os navios
Escutam das sereias
O teu lado lunar.
Soledade Martinho Costa
Do livro «O Nome dos Poemas»
Vendedor do «Borda d'Água». Foto: Nuno Guerreiro
Sarrabal foi a palavra que escolhi, anos atrás, para designar uma colecção de pequenos livrinhos de minha autoria, ilustrados pelo pintor António Pimentel, dos quais apenas foram publicados seis, dos doze previstos. Em 2007 surgiu a ideia deste blog. Com o mesmo nome o baptizei. Acontece, que a maioria das pessoas desconhece o seu significado. Geralmente, perguntam: «O que quer dizer Sarrabal?». Eu esclareço. Outras vezes, sou eu quem faz a pergunta: «Sabe(s) o que quer dizer Sarrabal?». A resposta é sempre idêntica: «Não, não sei». Então, resolvi explicar aqui, no próprio blog, o significado do seu nome – tanto quanto possível, num breve resumo.
Temos, assim, sarrabal = a folhinha, endimião, lunário, calendário, reportório, prognóstico, almanaque…
Segundo notas manuscritas por Leite de Vasconcelos (linguista, filólogo, arqueólogo e etnógrafo), era publicado em Milão um Almanaco Universale del Gran Pescatore di Chiaravalle, tendo o autor adquirido em Itália um exemplar datado de 1713. Com a mesma designação, em 1905, publicava-se na província da Lombardia (Milão) dois almanaques: o Il Doppio Pescatore di Chiaravalle (que veio substituir o Antico Chiaravalle Tamburini) e o Il Nuovo Gran Pescatore di Chiaravalle. O nome Chiaravalle provinha da Abadia com o mesmo nome, situada próxima de Milão – conhecida hoje por Abadia de Claraval.
Tanto quanto se julga saber, o primeiro dos almanaques acima citados, terá servido de modelo para o nosso Almanach Lusitano. Nele se lê, no número datado de 1741, que: «…segue a doutrina e methodo do Sarraval Milanez ». Leite de Vasconcelos explica ainda que a palavra sarrabal (no dialecto lombardo txaravalle (xaraval) ou xarraval (sarrabal) era utilizada em Espanha, como atesta El Gran Piscatore, Sarrabal de Milan, de 1750, publicado em Madrid, embora «não apareça como nome comum nos dicionários espanhóis». Igualmente datados de 1741, Leite de Vasconcelos encontra um Sarrabal Cidadam; um Sarrabal Ratinho; um Sarrabal Saloio e um Prognóstico e Curioso Sarrabal.
Considerando que a palavra sarrabal se apresenta como sinónimo de almanaque, de periodicidade anual, temos que os mesmos se definem como «publicações muito populares, práticas, de fácil e permanente consulta, contendo matérias diversificadas, úteis e de interesse geral: calendário, efemérides, festas, santos, acontecimentos, personagens, anedotas, adivinhas, provérbios, histórias e mesmo poesias».
No nosso país, os primeiros almanaques (almenaques) impressos aparecem no século XV. O primeiro deles parece ter sido o Almanach Perpetuum, publicado em 1496, seguindo-se, no século XVI, o Reportório dos Tempos (1518) e um outro, com título semelhante, em 1585.
Integrada na chamada literatura de cordel (devido às obras serem expostas suspensas de um cordel, dado o número diminuto de páginas), com conteúdos «noticiosos, estatísticos, facetos e recreativos», a publicação dos almanaques em Portugal – dos quais se destaca o Almanaque das Lembranças (1851-1932) – foi-se multiplicando, chegando a contar, entre o século XIX e o século XX, com a colaboração de grandes nomes da nossa Literatura: António Feliciano de Castilho; Eça de Queirós; Teófilo Braga; Guerra Junqueiro ou Ana de Castro Osório. Daí, que os últimos almanaques publicados entre nós, como o Almanaque Lello e o Almanaque Bertrand, além de variadíssimo conteúdo, apresentassem uma «Secção Literária, Científica, Artística e Recreativa», neles colaborando «figuras eminentes da cultura nacional».
Considerada, embora, «uma publicação com origens pouco definidas, o almanaque atravessou, pelo menos, seis séculos». Conforme palavras de Eça de Queirós: «O almanaque é o livro disciplinar que coloca os marcos, traça as linhas dentro das quais circula, com precisão, toda a nossa vida social».
Actualmente, já assim não será. Mas folheando dois ou três almanaques Borda d’Água, com o sub-título «Reportório Útil a Toda a Gente – contendo os dados astronómicos, cívicos e religiosos e muitas indicações de interesse real», encontro, além de «Notas da Redacção»: astrologia, horticultura, jardinagem, animais, santos, acontecimentos notáveis, cronologia dos Presidentes da República, mercados e feiras, crepúsculos (comprimento dos dias), orações, sugestões, quadras, provérbios, feriados, efemérides, biografias, profilaxia e prevenção de doenças, tabela das enchentes e vazantes das marés, fases da Lua, etc.
Desaparecidos ao longo do tempo, dos almanaques, resta-nos apenas um: o acima referido e popular Borda-d’Água, publicado pela Editorial Minerva, que continua a ser procurado e utilizado pelo seu público fiel, principalmente no meio rural, não excluindo o urbano.
A designação almanaque terá origem incerta. Alguns autores sustentam que provém do árabe almanakh; do latim manachus ou do baixo latim almanachus; do latim medieval alamanachus ou do baixo grego alamanakon.
Sabe-se ainda que o almanaque, entretanto introduzido no Ocidente, seria, primitivamente, «uma forma aculturada do conjunto de dados com que, nalgumas cortes orientais, era hábito os astrólogos, servindo-se de tábuas cronológicas, presentearem os soberanos no início de cada ano. A preocupação dominante seria o fornecimento de quadros cronológicos, com a indicação do movimento dos astros, sobretudo do Sol e da Lua».
Tabuinhas polidas eram igualmente utilizadas pelos Romanos, com a inscrição dos factos relacionados com as quatro Estações. Pelos meados do século XIX, havia mesmo, no museu ou palácio de Farnésio (Roma) um almanaque similar em mármore, em que se assinalavam os trabalhos agrícolas dos diversos meses. A utilização das tabuinhas remontará ao século VI ou VII a. C.
O primeiro dos almanaques redigido em português foi o Almanaque Perdurável, que, «fazendo parte de um códice da Biblioteca Nacional de Madrid, data da primeira metade do século XIV».
Tal o crédito destas publicações, leia-se, por graça, de Miguel do Couto Guerreiro, do seu livro Sátiras, sobre crendices e superstições populares, aludindo a hipotético leitor, o seguinte: «… quantas vezes de noite perde o sono / porque o seu Sarrabal lhe diz que em Maio / hão-de (sic) haver furacões e muito raio.»
Repetindo: temos a palavra sarrabal = a almanaque – transformado, hoje, nas simples agendas (já sem conteúdo), e, também, mais recentemente (porque não?), nos blogs que dão vida ao mundo virtual do século XXI.
Fica a pergunta: estarei errada se disser: sarrabal = à moderna palavra blogue?
Soledade Martinho Costa
Obras consultadas:
Almanaques ou a Sabedoria e as Tarefas do Tempo (Revista ICALP, Vol. 6, Agosto/Dezembro/1986) – Manuel Viegas Guerreiro e J. David Pinto Correia
Tradições Populares Portuguesas do Século XVIII (contidas nas poesias impressas de Miguel do Couto Guerreiro) – José Leite de Vasconcelos
O episódio tem já uns bons anos, mas acontece que, de vez em quando, me acode ao pensamento. Talvez porque, volta não volta, dê de «caras» com a personagem principal dessa minha recordação. Umas vezes na televisão, outras em jornais e revistas (principalmente «cor de rosa»), ou mesmo aqui, na Net, onde tem um blog.
Mas o melhor será começar por dar um nome à dita personagem que me leva a escrever esta crónica. Um nome fictício, naturalmente. Por exemplo…Por exemplo…Paula! É isso: Paula B.! Perfeito. Fica bem e é chique.
Então, é assim:
Corria o ano de 1981 quando recebi um telefonema da Paula B. (que não conhecia), nessa altura a trabalhar como funcionária pública na Secretaria de Estado da Cultura. Assunto: pretendia a minha autorização para publicar dois trabalhos meus numa «colectânea de poesias portuguesas para a infância» que estava a elaborar. Louvei a atitude de pedir permissão, coisa a que os autores portugueses de literatura para crianças não estão habituados. Os editores, sobretudo aqueles que editam livros escolares, servem-se à vontade. Vendem à vontade. Enchem as algibeiras à vontade com o trabalho alheio, sem pedir licença. A história é velha, mas sem fim à vista.
Contou-me a Paula B. que a colectânea tinha o título «Lagarto Pintado» e que se tratava de uma Edição do I Congresso das Comunidades Portuguesas, a editar pela SEC. O objectivo do trabalho, como pode ler-se no prefácio (a obra foi-me oferecida logo após a edição), era o seguinte: «…a presente antologia (…) certamente contribuirá para manter vivos os laços que unem as comunidades portuguesas pelo Mundo espalhadas, que são a nossa língua, a nossa literatura, o modo de pensar, de ser e de crescer português.»
Cedi os dois poemas para os mais pequenos, conversei com a Paula B. sobre literatura para crianças, dei umas dicas e prometi convencer o Tóssan (de quem já falei aqui, recentemente, numa outra crónica) a ceder dois textos seus, inéditos, que, posteriormente, faria chegar às mãos da Paula B. Assim aconteceu. A colectânea fecha, exactamente, com dois poemas de Tóssan, assinalados como inéditos.
Depois deste primeiro telefonema, outros se seguiram. Ouvi-lhe algumas queixas com a devida atenção. Desejava escrever para crianças, tinha feito diversas tentativas, mas em vão. Alguém (que já não está entre nós) teria sido um obstáculo às suas intenções. Fui solidária. Senti-me o «ombro amigo» da Paula B. Conversas sobre autores, livros para a infância, projectos…
Devido às minhas andanças de autora, desloquei-me um dia ao então recém-formado Instituto Português do Livro (que demorou décadas a tornar-se uma realidade, para durar pouquíssimos anos, entretanto «engolido» pela Biblioteca Nacional), que funcionava no mesmo edifício da SEC, por essa época, na Av. da República. Nessa ocasião, lembrei-me: «Vou conhecer, pessoalmente, a Paula B.». Nada feito. Nesse dia a Paula B., segundo informações, não tinha ido ao serviço. Mais telefonema, menos telefonema, o tempo foi passando. Sem dar por isso, como acontece frequentemente, deixámos de ter contacto. Não porque nos esqueçamos uns dos outros, mas porque a vida é mesmo assim. Ora nos aproxima, ora nos afasta, sem haver razão que o justifique.
Certo dia, vejo num qualquer programa de televisão, adivinhem quem? A Paula B.! Sim, foi o seu nome que me despertou a atenção – embora nesta crónica seja fictício… Passei então a conhecer a pessoa com quem conversara várias vezes ao telefone, trocando impressões, de um modo amistoso, simpático, cordial. E fui acompanhando a sua «carreira». A Paula B. começou a ser apresentada como pessoa ligada a regras de etiqueta e boas maneiras – tema nunca antes abordado nas nossas conversas. Com o tempo, passou a autora de vários livros sobre a matéria. O que me levou a concluir: «Não enveredou pela literatura para crianças, mas encontrou uma forma pouco usual de entrar na literatura por outra porta!».
O meu mundo não é o da Paula B. Acontece que Rita Ferro faz a apresentação do seu livro «Os Filhos da Mãe», no «Salsa Latina», e resolvi ir ao lançamento. Ora, quem encontro eu entre os convidados? Exactamente. A Paula B.! «Aqui está uma maneira de nos conhecermos pessoalmente!». Pensei. Daí, a abordá-la, foi um passo. Exclamação de agradável surpresa, dois beijinhos da praxe, afagos de mãos, perguntas, sorrisos. Mas eis chegado o momento da apresentação do livro. Silêncio instalado. Sentei-me. A Paula B. sentou-se também, numa cadeira à minha frente. Juntinhas.
Terminada a sessão e depois de algumas palmas comedidas da selecta assistência, a Paula B. levanta-se e, sem olhar para mim, avança em direcção indeterminada. Ou seja, naquela direcção em que as pessoas não vão a parte alguma (embora pareça), para deambular por um espaço dito social, às voltas e reviravoltas (quase sempre de copo na mão), a dar de caras, continuadamente, com as mesmas caras. Não mereci da Paula B. nem um «Até já!», um «Adeus, Soledade!», um «Vê-mo-nos por aí!», ou mesmo um simples «Então, adeus!». Nada. Rigorosamente, nada. Como se eu, afinal, não existisse ou nunca tivesse existido – nem por uns momentos antes.
Fiquei perplexa. Irritada. Não merece a pena negar. «Para quem é reconhecida como especialista e autoridade nos domínios da etiqueta e publica livros sobre boas maneiras, realmente, não está mal, não senhor!». Resmunguei de mim para comigo. Foi o mínimo que pude fazer para confortar a minha auto-estima.
Escrito algures pela Paula B. li esta frase: «A má educação não abre portas a ninguém.» Concordo. Por isso é que a minha vingançazinha vai toda nesta crónica, tenho plena consciência disso. Às vezes é tão bom ser mazinha!
Li ainda num blog o seguinte: «…a dita cuja, que escreve aqueles livros todos sobre etiqueta e depois não os lê!». Além de mim, parece que mais alguém tem razões de queixa…
No seu próprio blog também pode ler-se nas notas biográficas: «Autora de livros de informação sobre comportamentos sociais especializados nos domínios da etiqueta…». E mais. Em «ver perfil», lá está: «Indústria: Educação». Tenho dúvidas. Principalmente, se encararmos a educação como uma indústria...
Por uma ou outra vez, voltei a cruzar-me com a Paula B. Mas deixei de reconhecê-la. Isto é, voltei aos tempos em que não a conhecia pessoalmente. Sim, porque etiqueta não quer dizer boa educação. Foi esta a lição que aprendi com a Paula B., que se orgulha de ter vendido mais de 200 mil exemplares de livros onde ensina as pessoas a serem bem-educadas.
Soledade Martinho Costa
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