(A pedido de um rapaz apaixonado, em férias, aqui vão «uns versos simples»)
MENINA DA TRANÇA LOIRA
Menina da trança loira
Que te cai sob o sorriso
Como letra de um poema
Debaixo do meu olhar
Quisera ser Neptuno
De novo ressuscitado
Para te levar comigo
Por entre as ondas do mar
Menina da trança loira
A enfeitar o teu ombro
Como um pedaço de seda
Como um pedaço de Sol
Quisera ser vento norte
E levar-te em turbilhão
No perfume da maresia
Que prendes na tua mão.
Menina da trança loira
Que te cai sobre o destino
A apanhar conchas e búzios
Tecidos pelas marés
Quisera ser leme e barco
E deles ser capitão
A levar-te ao porto certo
Bem segura no convés.
Menina da trança loira
Que te cai sobre os teus sonhos
A pisar de pés descalços
O grão de oiro das areias
Talvez não sejas real
Mas a deusa das sereias
Ou mesmo a própria Anfitrite
Num passeio matutino
Ao longo do areal.
Soledade Martinho Costa
Pois é verdade. O Sarrabal completa hoje três aninhos de idade!
Desde o dia 23 de Julho de 2007 até à presente data, muitos foram os posts aqui publicados. Perdi-lhes a conta. Mas sempre diversificados no teor, conforme é meu hábito. E sempre também elaborados com o mesmo prazer profundo que nutro pelo acto da escrita.
Penso que não merece a pena anotar, como tenho feito nos aniversários anteriores, o número de visitas e de páginas lidas que constam do meu «sitemeter». De início, deslumbrei-me, pouco habituada que estava a estas coisas da blogosfera. Agora é diferente. Quando os números ultrapassam os 100 mil, há apenas uma coisa a dizer: tendo em conta que neste blog não se fala de política nem de futebol, acho que posso dar-me por satisfeita. Concludente e importante é o número de leitores ser cada vez mais amplo. Dai, ter conhecido neste espaço virtual, gente simpática e generosa, que me tem testemunhado o seu apreço e a sua amizade. Para todos, o meu agradecimento. Bem-hajam!
Agora, quanto ao «bolo» que ilustra este terceiro aniversário do blog, obedeceu, fundamentalmente, a dois critérios. O primeiro: os bolos não fazem bem à saúde. O segundo: as flores fazem bem à alma!
Para ser mais precisa. Fiquei absolutamente deslumbrada com a originalidade e a criatividade deste «bolo» que nos alegra, nos enche de pensamentos positivos (tão em moda!), nos deslumbra pela beleza das suas cores e da sua inegável perfeição e bom gosto.
Pois não irá servir-se às fatias, não senhor. Pois não irá ser saboreado, não senhor (embora, aqui e ali, de mistura com as flores, surjam umas metades de laranjas, de uns kiwis, de uns limões). Mas que foi um grande «achado», lá isso, foi! Um bolo de aniversário – e logo de três aninhos –, todo confeccionado com flores (que adoro!), nem de encomenda! Desconheço o nome do seu autor, mas seja ele (ou ela) quem for, aqui fica a minha admiração pelo seu belíssimo trabalho.
E porque a palavra aniversário costuma ser sinónimo de prendas, vamos hoje fazer o contrário. Desta vez, vai ser o Sarrabal a oferecer algumas prendas (24) aos seus estimados amigos e leitores.
Em breve irei iniciar aqui no blog uma série de entrevistas que realizei há já 10 anos atrás, publicadas na revista «Notícias Magazine» do «Diário de Lisboa», mas que se mantêm absolutamente actualizadas – ou não sejam os entrevistados pessoas muito, mas muito especiais.
Da música, à literatura, à canção, ao teatro, à política, à ciência, vão desfilar por aqui 24 nomes de figuras públicas, que tive a honra e o privilégio de me concederem o seu tempo, a sua sabedoria e a forma de encarar a vida tal como a sentem e a sabem transmitir aos outros. Peço-vos que estejam atentos. Os nomes que escolhi bem merecem a vossa atenção. Todos iremos ficar a ganhar. Tenho a certeza. E mais não digo.
Por agora, fica um abraço grato aos meus leitores. E se entretanto não desistir de continuar com o Sarrabal, marcamos novo encontro para o próximo ano neste mesmo lugar. Fica combinado?
Soledade Martinho Costa
OUTRO ANIVERSÁRIO
AMÁLIA FARIA HOJE 90 ANOS
Busto da autoria de Joaquim Valente
Porque Amália só por amor e respeito aos poetas portugueses os cantou e os divulgou pelos quatro cantos do Mundo, transcrevo aqui um dos poemas do seu livro «Versos». À semelhança de muitos outros cantores (tantos!), Amália poderia ter interpretado, apenas, poemas de sua autoria. Fê-lo algumas vezes, mas não tantas quantas as que gostaríamos que tivesse feito. A si se bastava. Em voz, em sentimento, em sensibilidade, em inteligência, em poesia.
SE É VIDA, NÃO ME PARECE
Tinha duas mãos abertas
E o sentimento do mundo
Tenho agora as mãos desertas
E um desgosto profundo.
Se é vida, não me parece
A este acontecimento
Que tão pouco me apetece
Chamo eu aborrecimento.
P’rá vida ser tão cantada
Tem de ser melhor por certo
Não é decerto a maçada
Que eu tenho neste deserto.
É morte o que me acontece
E morta ainda me espanto
Da vida que não merece
Nem mesmo este desencanto.
Que vontade de chorar
Ai pranto de sete rios
Que ânsia de descansar
Amortalhada de estios.
Amália Rodrigues
Do livro «Versos»
Ed. Livros Cotovia
Assisti ontem à missa evocativa dos 90 anos de Amália Rodrigues, celebrada na Basílica da Estrela. No post anterior dei conhecimento da iniciativa.
A Basílica estava repleta, muita gente de pé. Caras conhecidas do mundo do teatro (não muitas), algumas das nossas telenovelas. Entre cantoras e fadistas, apenas três.
Não foi das celebrações que mais me sensibilizaram. A acústica não é das melhores, o órgão não me pareceu suficientemente afinado e estava um calor pouco suportável.
Isto não teria grande significado para mim, não fora o facto do silêncio instalado após a actuação (mais do que uma) do Coro do Senhor dos Aflitos de Lousada, dirigido pelo maestro Domingos Moreira, dos cantores Juan Santamaria e Joaquim Carneiro (que interpretou um tema dedicado a Nossa Senhora do Carmo, santa da devoção de Amália), e do músico Rão Kyao, acompanhados por Leonor Leitão Cadete (órgão), Carlos Gonçalves (guitarra) e Lelo Nogueira (viola). Nem uma palma! Só o silêncio incómodo, constrangido, diria, comprometido, percorreu a Basílica. Não gostei. As vozes eram excelentes e os cânticos muito belos também.
Mas eis chegada a actuação, no final, de Maria Bethânia. Alguns momentos, apenas. E logo irrompe uma salva de palmas a ecoar pelo templo, vibrante, prolongada, elogiosa. A disparidade de procedimento foi notória, injusta e criticada por muitos dos presentes.
Dizer o quê? Que continuamos na senda do tal servilismo luso? Na tal lusa e pacóvia mania de que os outros (neste caso, artistas) são sempre melhores do que os nossos? Provavelmente. Daí, a «correria», num atropelo, numa ânsia, atrás de Bethânia, quando esta se dirigiu à sacristia. Autógrafos? Não sei, não vi, não estava lá. Talvez fosse apenas pelo prazer de estar junto da diva que, segundo ouvi, é pessoa demasiado exigente, como estrela internacional que é.
Não lhe retiro o mérito, mas Maria Bethânia não veio propositadamente do Brasil para prestar homenagem a Amália. Está em Portugal para actuar e lançar um DVD em Cascais (dia 22) e no Coliseu do Porto (dia 24). Aproveitou-se a ocasião e fizeram-lhe o convite para estar na Basílica da Estrela. Foi simpática em aceitar.
Já Juan Santamaria veio directamente de Espanha, Joaquim Carneiro do Alentejo e do Porto o juvenil Coro de Lousada.
Estive presente noutras homenagens prestadas a Amália, Quer em Lisboa (Panteão Nacional, em 2006), quer no Algarve (Lagoa em 2007). Mas uma delas ficou gravada no meu coração: a da evocação da Artista em 2002, com missa celebrada pelo padre Victor Melícias, na belíssima capela das Irmãzinhas dos Pobres, em Campo de Ourique. O xaile de Amália a cobrir alguns dos degraus de acesso ao altar, a guitarra a seu lado. Um fascínio. Um sortilégio. Sentia-se, ali, a presença de Amália.
Lá estiveram Tito Lívio (leitura de poemas da autoria de Amália) e os cantores Juan Santamaria e António Simôa (infelizmente já falecido). A assistência enchia a capela e as palmas irrompiam, atribuídas com admiração, após cada uma das actuações.
Não me levem a mal, mas ainda estou bem lembrada da ofensa feita aos portugueses pela brasileira Maitê Proença – embora algumas pessoas tenham pretendido que a ofensa não passava de uma «simples brincadeira sem importância». Para mim, não foi. Foi desrespeito, ingratidão e ignorância. Maitê não é culta. É uma mulher que não aceita a idade. Por isso, gosta de parecer uma menina malcriada.
E porque se falou de missas e se visitou os santos, não resisto a deixar este desabafo, com as minhas desculpas a João de Deus: «Mas à Bethânea, Senhor/porquê a salva de palmas/tê-las-à merecido assim?»
Soledade Martinho Costa
A missa será celebrada no próximo dia 20 de Julho, pelas 19 horas, na semana em que se assinalam os 90 anos do nascimento de Amália Rodrigues.
CELEBRANTES:
Monsenhor Victor Francisco Xavier Feytor Pinto
Cónego Miguel Ponces de Carvalho
PROGRAMA:
LEITURAS:
Elisa Lisboa
Victor de Sousa
Maria José Paschoal
CANTORES:
Joaquim Carneiro
Juan Santamaria
Maria Bethânia
Coro do Senhor dos Aflitos de Lousada
MÚSICOS:
Órgão: Leonor Leitão-Cadete
Guitarra: Carlos Gonçalves
Viola: Lelo Nogueira
Flauta: Rão Kyao
MAESTRO:
Domingos Moreira « QUEM AMÁLIA NÃO ESQUECE»
Soledade Martinho Costa
Era impossível. Não podia deixar passar em claro este acontecimento que me torna tão feliz: a vossa passagem de ano escolar.
E vou começar por ti, Rafael. Sabes que, sem desprimor (ou menos amor, se preferires) para com a tua irmã Teresinha e as tuas duas primas, és o meu neto primeiro, aquele que veio ocupar um espaço ainda disponível de amor, de deslumbramento, de espera, no meu coração. Continuas a ser o «meu imperador», como gosto de te chamar. Estás com 12 anos feitos. O teu aniversário passou no dia 6 deste mês de Julho. Começas a deixar de ser um menino, para principiares a ser um rapazinho. Ainda por cima, um rapazinho muito bonito!
Foste o aluno brilhante de sempre. Não o digo por vaidade (tu também não a tens), mas pelo mérito que te pertence. Pela alegria que nos dás, a nós e aos teus professores. Não esqueço aquela emocionada frase da professora que te acompanhou desde o 1º ano do Ensino Básico, quando passaste para o 5º ano do 2º Ciclo e deixaste a escola, mudando para outra: «E agora, Rafael, como é que vou passar sem ti?» Foi um elogio. Dos maiores que um aluno deve guardar, vindo de uma professora. Porque os professores sentem-se igualmente felizes quando têm bons alunos, como tu.
Talvez não estudes demasiado. Talvez tenhas, até, dias (eu sei!) em que não te apetece fazer os trabalhos de casa. Mas Deus deu-te toda a capacidade. Todo o interesse por tudo aquilo que te rodeia. Toda a inteligência que só os muito dotados como tu, Rafa, se podem orgulhar de possuir. Por isso, deves agradecer o dom que contigo nasceu. Tu bem o sabes, querido.
Estás, agora, no 7º ano do 2º Ciclo. Continuas no «Quadro de Honra». Acontece que, além dos «excelentes» que tiveste a todas as disciplinas, conseguiste conquistar uma nota única e inusitada, que só uma professora sensível aos teus dotes de bom aluno, te poderia dar: um «Excelente Mais»! Coisa impensável e que não conta, como é evidente, para as tuas notas. Foi uma prova de carinho e de admiração por ti, vinda de uma das professoras que te ensina e acompanha. Que conhece a tua ânsia de conhecimento e de competência naquilo que fazes. Que nunca a desiludas, Rafa. Nem aos professores que se vão seguir durante o teu percurso escolar e académico. No fundo, cumpres com a tua obrigação, meu amor. Mais brilhantismo, menos brilhantismo, cada qual é como é. Só tenho pena dos que possuem capacidades e não as aproveitam. Mas eu sei que tu, sem imposições de ninguém, vais continuar a ser o Rafa de sempre, o meu «imperador», com todas as outras qualidades que tens: um rapazinho amigo do seu amigo, leal, solidário, sensível, que «ama a poesia» – e um bocadinho namoradeiro, verdade?
Parabéns, meu amor. Muitos beijinhos da Avó Soledade!
As segundas palavrinhas, vão para ti, Teresinha. Passaste para o 5º ano do 2º Ciclo, ainda com 9 anos!Farás os 10 no dia 3 de Agosto. Lá para Setembro, irás fazer companhia ao teu irmão, transitando para o Externato João Alberto Faria em Arruda dos Vinhos. Uma escola belíssima, muito bem situada, rodeada de árvores, relvados e flores, numa vila muito bonita, muito agradável.
Como estudante, não ficas aquém do teu irmão Teka, sabes disso. Em todas as disciplinas recebeste a nota máxima: 5. És inteligente, mas aplicada. Uma menina muito responsável. Alegre (tanto!), brincalhona (demais!), mas no que respeita aos estudos, dás uma reviravolta e eis uma Teresinha agarrada aos livros e aos deveres escolares. Sem necessidade de te chamarem a atenção. De te dizerem: «Teresinha, vai estudar!» Continuas a ser a boa aluna de sempre. É verdade que tens em casa o teu irmão, o Rafa, um estudante excepcional. Mas tu não gostas de ocupar um segundo plano. E fazes por isso. A verdade, meu amor, é que consegues. Sem espírito de competição, eu sei. Mas há o prazer de acompanhar o mano. De receber, igualmente, o elogio e o carinho das tuas professoras. Quando entraste para a escola, o Rafa iniciava o 3º ano. Gerou-se alguma expectativa, extensiva às próprias professoras: «Vai entrar a irmã do Rafael? Será a Teresinha uma boa estudante? Sairá ao irmão? Terá dificuldade em aprender? Será diferente?»
Depressa as dúvidas se dissiparam perante os resultados. Mostraste desde logo ser uma menina aplicada, interessada em aprender, inteligente. Também tu, Teka, deves agradecer o dom das capacidades que tens. Nunca agradecerás o suficiente.
Continuas a ser a «minha primeira imperatriz», como sabes. A minha segunda neta. Estás linda, Teresinha! Desejo ainda que continues a escrever aquelas histórias bonitas, com muita imaginação (duas delas já publicadas, aqui, no Sarrabal), que tanto gostas de inventar. Gostaria que seguisses o caminho que foi o meu. Será que vai ser assim? O futuro o dirá, minha querida…
Parabéns por tudo aquilo que és, meu amor. Com muitos beijinhos da Avó Soledade.
As terceiras palavrinhas são para ti, Soledade Eugénia. Prima da Teka e do Rafa. Não deixaste o resultado dos estudos por mão alheia, Soli! Cheia de brios, passaste para o 3º ano do Ensino Básico recebendo «Bons» e «Muito Bons»! Ainda por cima, tens apenas 7 aninhos, minha querida! Só no dia 31 de Outubro próximo completas os 8 anos. Uma façanha, Soli! («O que é isso, avó?», estou já a ouvir-te perguntar). Neste caso, Soli, uma façanha é um acto, uma atitude (também pode ser um feito, uma proeza) de uma menina que passou o ano e fez um brilharete. Embora eu saiba que nem sempre foste aplicada, Muita preguicinha, por vezes, no que toca aos trabalhos de casa. Bom, para o ano veremos.
Irás continuar na mesma escola, mas agora sozinha. A tua prima Teresinha vai fazer companhia ao irmão, na escola de Arruda dos Vinhos (a matrícula já foi aceite!).
Quero dizer-te ainda que todos ficámos felizes com o teu sucesso. Sim, durante o ano lectivo, podias ter sido um bocadinho mais aplicada. Mas o resultado final, minha querida, é o que conta. Não quero netos prodígios. Quero netos responsáveis perante o seu dever: o de estudar e dar à Família e aos professores (e tu tens uma óptima professora!), os melhores resultados no final de cada ano escolar. És uma menina especial, muito bonita (para as avós os netos são sempre lindos!), bondosa e gostas de repartir e de ajudar. Tens sempre uma palavra amiga para desculpar os outros, sejam crianças ou adultos – o que mostra, da tua parte, um grande poder de tolerância.
Sabes também que és a «minha segunda imperatriz», verdade, minha querida? E que a Avó te ama muito, certo, certinho? Que gosta da tua companhia para ir às compras, porque tu és uma menina observadora e com um sentido de orientação fora do comum numa menina tão pequena – sentido de orientação que a Avó não tem, como muito bem sabes. Por isso, és tu a minha «guia» preferida, minha querida.
Parabéns, meu amor. Muitos beijinhos da Avó Soledade.
Não vou falar da Nayara Alexandra (Xana), a minha «terceira imperatriz», porque não entra nesta «história». No dia 17 de Agosto próximo fará 1 aninho de idade! Em contrapartida, vou deixar para os meus três «imperadores» uma história que nos fala de amizade e de solidariedade. Duas palavras que as crianças devem aprender desde muito cedo. Uma história toda verde, cor da esperança que tenho em que a história lhes agrade. O Rafa já está crescidinho, mas eu sei que continua a ler e a gostar das histórias da Avó. A Histórinha é também dedicada a todo os meninos que passaram o ano e, porque não? A todos aqueles que não tiveram a felicidade de passar. Para o ano vão conseguir. Ora reparem na história, e digam-me depois se não tenho razão:
HISTÓRINHA – O VENTO SUDOESTE
A Rã Verdinha andava preocupada. O charco onde vivia estava tão seco que receava a todo o momento não conseguir ficar submersa, quando mergulhava para refrescar a pele.
«Isto vai mal. Vai mesmo muito mal!» – pensava, de olhinhos presos na linha do horizonte à espera de ver no céu prenúncio de chuva.
O Verão tinha chegado há já algum tempo e tão seco se mantinha como a Primavera, que havia sido, também ela, avara de dias chuvosos.
- A mim, não me faz grande diferença! – Costumava dizer o Lagarto Verdoso. – Sem chuva e com este calor, faço ricas sestas deitado ao Sol. Mas que reparo na sua preocupação, dona Rã, lá isso, reparo.
- E não é para reparar, amigo Lagarto? Se o charco seca de vez, que será de mim?!
- Temos de arranjar uma solução! – Disse, certo dia, o lagarto na sua voz pausada.
- Mas qual solução, compadre Lagarto? – Perguntou a rã, numa grande ansiedade.
- Sei lá, ir por aí fora. Talvez à procura do Vento Sudoeste!
- Vento Sudoeste?! E quem iria oferecer-se para fazer uma tão grande viagem?!
- Realmente, é uma viagem longa e arriscada. – concordou o lagarto. – Mas se descobrirmos alguém, tínhamos o caso arrumado. O Vento traria a chuva que encheria o charco!
- O melhor é pensarmos bem no assunto. Pode ser que nos ocorra o nome de alguém que se preste a fazer esse grande favor… – suspirou a rã.
E seguiu, aos saltinhos, para dentro do charco, enquanto o lagarto se meteu na toca.
Assim se passaram alguns dias, até que, certa manhã, a rã se acercou do muro onde morava o lagarto.
- Eh, amigo Lagarto Verdoso, já descobri! – Gritou ela, muito animada. – Já sei a quem pedir para ir buscar o Vento Sudoeste!
O lagarto esticou logo a cabecinha pelo buraco da toca.
- E quem é o escolhido, dona Rã? – Perguntou ele.
- Então, quem havia de ser, compadre?! O Gafanhoto Verde, já se vê!
- Tem razão. O Gafanhoto Verde é viajado, novo, robusto, rápido…Assim aceite a proposta! – Disse o lagarto.
E lá foram, à procura do gafanhoto, que ouviu os dois vizinhos com muita atenção.
- Fiquem descansados. Hoje mesmo irei procurar o Vento Sudoeste! – Prometeu ele. – Sim, porque os amigos são para os bons e os maus momentos, não é verdade?
E com estas palavras, sábias e sensatas, o gafanhoto pouco depois, seguiu viagem.
Cheio de pressa, pois não havia tempo a perder, subiu montes, desceu montes, voltou a subir, voltou a descer, sempre a perguntar:
- Alguém sabe dizer-me onde posso encontrar o Vento Sudoeste? Alguém sabe dizer-me onde posso encontrar o Vento Sudoeste?
O pior, é que os dias iam passando e ninguém sabia responder à sua pergunta.
Mas o gafanhoto não desanimava, continuava a perguntar aos insectos como ele, às aves, às flores, às estrelas, à Lua cheia, às nuvens que viajavam pelo céu:
- Alguém sabe dizer-me onde posso encontrar o Vento Sudoeste?
Sempre à procura, atravessou aldeias, vilas e cidades, até que um dia, no cimo de uma montanha, uma pequena ave de linda plumagem verde respondeu, finalmente, à sua pergunta:
- O Vento Sudoeste chega hoje de viagem. Ao fim da tarde já podes falar com ele!
Assim foi. Horas depois, o Sol escondeu-se por detrás de grandes nuvens, e o vento sudoeste fez ouvir a sua voz, forte e assobiada, tão subitamente que o gafanhoto verde teve apenas tempo para se abrigar no tronco de uma árvore.
- És tu, Vento Sudoeste? – Gritou ele, o mais alto que pôde.
- Sou eu, sim. Que me queres? – Perguntou o vento.
- Venho pedir-te ajuda! – Gritou outra vez o gafanhoto. – Venho pedir-te ajuda para a Rã Verdinha, que é minha amiga, e vive num charco que está quase a secar!
- E para me fazeres esse pedido vieste de muito longe, suponho.
- Oh! Sim! De muito longe! – Confirmou o gafanhoto.
- És um bom amigo. – Disse o vento. – Podes regressar tranquilo. Amanhã mesmo, meto-me a caminho. Só tens de me dizer onde fica o charco da Rã Verdinha.
Depois de dar todas as informações e de agradecer ao vento sudoeste, o gafanhoto verde repousou um pouco e só no dia seguinte iniciou a viagem de regresso.
O vento sudoeste, entretanto, já levava grande avanço, Quando chegou ao sítio que lhe pareceu indicado, soprou com toda a força, empurrou as nuvens no céu, e não tardou que uma chuva de pingos grossos viesse refrescar e alimentar a terra e as plantas, dar de beber aos animais, encher os rios, os riachos, as lagoas e os charcos.
Durante alguns dias o lagarto, de cabecinha fora da toca, pensava satisfeito: «Não há dúvida que o Gafanhoto Verde falou com o Vento Sudoeste!»
A rã, por seu lado, regalada a olhar o charco a encher-se de água, pensava também:
«Esta chuva é a prova de que o amigo Gafanhoto pediu ajuda ao Vento Sudoeste!»
Quanto ao gafanhoto verde, só dias depois regressou ao prado. Reparou, imediatamente, que o vento sudoeste cumprira a sua promessa. As flores, as árvores e as plantas estavam viçosas e bonitas. A terra cheirava ainda a terra molhada e respirava-se uma grande frescura. Ao longe, por entre as canas e os juncos, o charco da rã brilhava na luz doirada da tarde como se fosse um grande espelho. Sobre a pedra do muro, o lagarto verdoso apanhava o último raiozinho de Sol. À beira do charco, a rã verdinha, a coaxar alegremente, preparava-se para dar mais um mergulho.
«Irei visitá-los ainda hoje!» – Pensou o gafanhoto, a imaginar a alegria do reencontro. Saudoso e feliz voltou a olhar o prado. Nesse dia, a sua cor de gafanhoto verde confundia-se ainda mais com a cor verde da Natureza.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Seis Histórias numa História de Todas as Cores»
Ed. CEBI (Fundação José Álvaro Vial)
A Literatura para Crianças ficou mais pobre. Partiram do nosso convívio três nomes consagrados da Literatura Portuguesa para a Infância: a 24 de Fevereiro último, Madalena Gomes, minha boa Amiga de muitos anos, com vasta e diversificada obra, de grande qualidade literária.
Em 6 do presente mês de Julho, Matilde Rosa Araújo, poetisa e autora para crianças. Prefaciou o meu primeiro livro destinado à infância, tendo mantido com ela laços de convívio e de amizade.
Ontem, dia 7 de Julho, parte Idalécia Cabrita Costa (ou Marina Algarvia, pseudónimo com o qual assinava as suas inúmeras obras destinadas aos mais pequenos).
Idalécia, a Amiga leal, a minha confidente, aquela cujos laços de Amizade eram mais profundos. Os telefonemas constantes, as longas conversas, a força de uma mulher inteligente, lutadora, corajosa perante a doença (um AVC há 15 anos, que a deixou parcialmente incapacitada, e que se repetiu agora levando-a para longe de nós).
Fica a tristeza e a saudade. E a obra destas três autoras, numa herança preciosa para as crianças de ontem, de hoje e as de amanhã.
Paz à sua Alma!
Soledade Martinho Costa
Tudo começou nos finais de 2003. Nessa altura, achei por bem aderir à operadora de telefones Tele2./Novis, visto o custo das comunicações apresentar um valor bastante mais económico do que os preços praticados pela PT. O meu filho encontrava-se em Angola e as chamadas para Luanda, eram, naturalmente, muitas.
Desde logo comecei a notar uma significativa diferença no montante das facturas. Muito mais reduzido. Aconselhei, até, alguns amigos meus a aderirem também à referida operadora. Mas o agrado foi passageiro. Passados alguns meses, recebi uma factura, com data limite de pagamento até 12/05/2004, emitida em 28/04/2004 referente a comunicações efectuadas entre 16/03/2004 e 15/04/2004, no valor de 239.34 euros. Comparando essa factura com as anteriores, achei que algo estaria errado. E não me enganei.
Tive a certeza quando me dei ao trabalho de verificar, parcela por parcela, o início de cada chamada e a sua duração, associando esses dados ao preçário da Novis em vigor nessa data. Ficam alguns exemplos. Assim:
Um telefonema para Angola com início às 23:48:12 (período económico) e duração de 00:54:53, apresentava um custo de 50 euros e 76 cêntimos! Se a chamada tivesse a duração de 60 minutos (que não teve) ao custo de 40 cêntimos por minuto (preço da Novis na altura), deveria ter sido cobrado apenas 24 euros!
Outra chamada para Angola, com início às 21:51:28 (também no horário económico) e duração de 00:26:08, manifestava o valor de 24 euros e 18 cêntimos. Arredondando para 27 minutos, a 40 cêntimos, teríamos um custo, somente, de 10 euros e 80 cêntimos!
Ainda numa outra chamada para Angola, com início às 15:25:10 (período normal) e duração de 00:25:18, eram debitados 23 euros e 26 cêntimos. Arredondando para 26 minutos, a 60 cêntimos por minuto (preço da Novis à época em horário normal), o custo deveria ser de 15 euros e 60 cêntimos!
Comparando a duração destas duas últimas chamadas, cujo tempo de conversação era praticamente igual, verifiquei que a chamada feita no horário normal apresentava um custo inferior à chamada efectuada no horário económico!
Contactei a Novis. Com o pedido de desculpas, foi-me dito que «tinha surgido uma avaria no «sistema», mas que, em breve, me seria enviada a factura devidamente corrigida». Aguardei, portanto.
Pouco tempo depois, para meu espanto, recebo uma 2ª via da mesma factura. Rectificação? Nem sinal! Lá continuavam por liquidar os tais 239.34 euros. Passados alguns dias, recebo outra factura, sem que o valor se encontrasse corrigido. Há a dizer que a Novis, desde a não liquidação da primeira factura, suspendeu de imediato os seus serviços.
E continuei a receber mais facturas, gémeas da primeira. E continuei a não pagar o preço abusivo que equivalia a muitos minutos de conversação telefónica que não tinha efectuado. Ciente da minha razão e indignada perante a total impunidade de que auferem, neste País, aqueles que retiram lucros ilícitos e fraudulentos das suas negociatas rotuladas de «prestação de fornecimento de bens ou serviços».
Daí em diante, em vez das facturas, comecei a receber cartas enviadas por escritórios de advogados. Na primeira, recebida a 22 de Junho de 2004, diziam que o montante de 239.34 euros continuava por liquidar e solicitavam a sua regularização. Acrescentavam também que tinham sido incumbidos de proceder à cobrança do referido valor. Respondi com os argumentos que transcrevo acima (mais alargados), que faziam justiça à minha incontestável reclamação, constituindo prova provada da má-fé e do abuso da Novis.
Em nova carta do mesmo escritório (Effico), recebida a 20 de Julho de 2004, fui informada de que o citado montante tinha sido acrescido de custas no valor de 21.68 euros. A minha resposta foi a de sempre: pagaria, sim, desde que a factura fosse corrigida.
Seguiram-se novos advogados. Em 31 de Março de 2005, a Tww pedia-me informações complementares devido à minha recusa em liquidar a malfadada factura. E lá voltei a esclarecer, tim-tim por tim-tim, numa perda de tempo e de paciência, as razões que me assistiam. De nada serviu. Em 11 de Outubro de 2005 voltei a ser importunada pelos mesmos advogados com idêntico pedido: mais informações complementares.
E novas cartas de advogados se seguiram. De RTBM & Associados em 30 de Junho de 2006, desta vez com ameaças: «Aguardarei que nos próximos 8 dias regularize o débito de que é devedora. Caso tal não aconteça instaurarei de imediato os procedimentos com vista à respectiva execução judicial, sendo que, ao valor inicial, acrescem juros e encargos.» Escusado será dizer que voltei a formular a minha reclamação. A factura fraudulenta estava em meu poder e nada nem ninguém podia apagar as incorrecções nela contidas.
A história arrastou-se até 8 de Maio de 2008, altura em que outra advogada (Joana Buco), me pediu os já habituais esclarecimentos sobre a minha recusa em liquidar a factura da Novis. E lá seguiram, de novo, as explicações solicitadas.
Em 5 de Setembro de 2008, nova ameaça: «…o requerido não deve ignorar a condenação (…) na sentença que vier a ser proferida na acção declarativa, em multa de valor igual ao dobro da taxa de justiça da acção.» Aguardei.
A partir daí, instalou-se uma certa acalmia. Mas em 23 de Fevereiro de 2010 volta a advogada Joana Buco a enviar-me nova cartinha: «Assunto (pasme-se!): perdão de juros de mora e custas judiciais», num total que ascendia já a 376.88 euros! Mais acrescentava a advogada Joana Buco: «Chamamos a atenção para os elevados custos associados a esta fase da acção judicial, que acrescem aos já acima mencionados, incluindo custas judiciais e despesas de Solicitador de Execução, bem como o transtorno de penhora de bens.» E mais adiante: «… numa derradeira alternativa para resolver a presente questão, a minha constituinte está na disponibilidade de aceitar o pagamento integral (239.34 euros!), prescindindo do montante de juros de mora, custas judiciais e despesas administrativas, se o mesmo for efectuado nos próximos 8 dias.» Sobre a correcção por mim solicitada, «ouvidos moucos». Não respondi.
Não gosto que me amedrontem quando a razão está do meu lado. Depois, sinceramente, acho que os portugueses se amedrontam com facilidade. Daí, haver muita gente a amedrontar o próximo, com papões que dão, também, pelo nome de advogados. Pagos por patrões poderosos para amedrontar, quando, na maior parte das vezes, não há razão para ter medo. Como foi o caso.
Confesso que me sentia perseguida pela Novis. De um lado a razão que me assistia, do outro, o poder dos que se sabem fortes e protegidos, que comandam nos «bastidores» deste País de monopólios, de grupos agregados (sempre os mesmos nomes), que mandam, querem, podem e até metem a mão na algibeira dos mais incautos ou receosos.
No dia 5 de Maio último, recebo uma carta da Optimus (pertence ao mesmo grupo da Novis), com a informação de que tinha em meu nome uma nota de crédito no valor de 120.79 euros. Para ser mais precisa: finalmente, haviam corrigido e reduzido para menos de metade o montante dos malfadados 239.34 euros! A totalidade da fraudulenta factura da Novis passou a ser apenas de 118.55 euros. Se paguei? Logo, no mesmo dia! Devo acrescentar que Joana Buco me enviou em 21 de Junho último a informação de que «…a situação se encontrava regularizada.»
É verdade que passaram, exactamente, 6 anos! Muito, muito tempo. Tempo demasiado para quem, como eu, tem pouco tempo disponível. Vencer deu-me muito trabalho, muito incómodo, muita irritação. Mas nunca deixei de fazer valer a minha argumentação, mais do que justa, o meu repúdio, a minha indignação perante o abuso de que estava a ser vítima. Ganhei a causa sem ser causídica.
Moral desta longa história: quando a razão está do nosso lado, vale sempre a pena lutar. Nem que essa luta dure 6 anos!
Fica o alerta: verifiquem com atenção, caros leitores (se é que tive leitores com a paciência suficiente para lerem este post até ao fim!), as vossas facturas. Principalmente, se forem da Novis! Depois, não digam que não avisei…
A mim, não levaram nem um cêntimo a mais. E a si?
Soledade Martinho Costa
Nota: Na altura a operadora dava pelo nome de Tele2./Novis. Passou, entretanto, a Novis Telecom, S.A. Em 2007 fundiu-se com a sociedade comercial anónima Optimus – Telecomunicações, S.A. e em Janeiro de 2009 com a Telemilénio – Telecomunicações – Sociedade Unipessoal, Lda. No todo, trata-se da Sonaecom – Serviços de Comunicações S.A.
. ANIVERSÁRIO DA MORTE DE N...
. VARINAS
. VERSOS DIVERSOS - O CONSE...
. LEMBRAR ZECA AFONSO - 37 ...
. A VOZ DO VENTO CHAMA PELO...
. CARNAVAL OU ENTRUDO - ORI...
. REGRESSO
. 20 DE JANEIRO – SÃO SEBAS...
. UM OLHAR SOBRE A PAISAGEM...
. AS «JANEIRAS» E OS «REIS»...
. BLOGUES A VISITAR