Sábado, 28 de Março de 2009

QUARESMA - OS ROMEIROS DAS BRUMAS (SÃO MIGUEL, AÇORES)

 

 

O culto penitente dos romeiros na ilha de São Miguel, nos Açores, tem a sua origem em 1522, quando, na madrugada de 22 de Outubro, um grande tremor de terra abalou Vila Franca do Campo originando a morte da maior parte dos seus habitantes, tendo ficado soterrados cerca de dois terços da vila. Após a tragédia, os sobreviventes terão ido em romagem a uma ermida sob a invocação de Nossa Senhora – eventualmente, a primeira a ser construída depois do terramoto. A romagem alargou-se depois a outras igrejas e ermidas dedicadas a Nossa Senhora, num percurso cada vez mais longo, até resultar no englobamento de todas as igrejas e ermidas onde se encontre um altar de Nossa Senhora. As romagens são compostas apenas por grupos de homens, a originar uma onda de penitência, oração e verdadeira solidariedade humana.
 
  
 
A volta à ilha, que decorre durante as sete semanas da Quaresma (a começar no primeiro sábado, ou, em casos mais raros, no domingo), inicia-se de madrugada (quatro horas da manhã) e termina no sábado seguinte à noite, ou no domingo de manhã, perfazendo cada grupo a peregrinação de uma semana – penitência religiosa que se verifica, nestes moldes, somente em São Miguel. Recentemente, na Terceira e Graciosa começaram a realizar-se pequenas romagens, sem que se efectue o percurso total ao redor de cada ilha.
 
 
Os vários grupos, saídos semanalmente das suas localidades de origem, percorrem diariamente no mesmo sentido toda a ilha, chegando a perfazer mais de cinquenta grupos, cada um deles a somar algumas dezenas de elementos, por regra divididos em duas filas, onde se juntam velhos, jovens e garotos acima dos nove anos de idade, reunindo um total aproximado de dois mil romeiros por ano, em que se incluem todas as classes sociais.  Assim ordenados, visitam as igrejas e ermidas, chamadas outrora e ainda hoje as «Casinhas de Nossa Senhora», que se encontram situadas no percurso da sua peregrinação. Emigrantes açorianos radicados nos Estados Unidos e no Canadá costumam deslocar-se por esta altura a São Miguel com o fim de efectuarem a romagem.
 
 
Em tempos mais recuados, alguns homens caminhavam descalços em cumprimento de promessas, penitência entretanto caída em desuso, enquanto o grupo vai entoando as orações em voz alta: padres-nossos e ave-marias.
 
 
Agasalhados em xailes (espécie de mantas de lã, na sua maioria de cor castanha escura ou preta, como manda a praxe), colocados sobre os ombros ou a cobrir a cabeça – que a chuva e o frio não têm por hábito poupá-los – transportam o indispensável bordão e o rosário com o respectivo crucifixo junto ao peito. Por cima do xaile usam o tradicional lenço rameado, carregando ás costas (sob o xaile) a «cevadeira» (saco), onde guardam os alimentos: pão, queijo, chouriço, carnes assadas, «massa sovada» e pouco mais, de modo a evitar o peso. Muitos dos homens, por penitência ou promessa, chegam a passar toda a semana apenas a pão e água, motivo pelo qual alguns deles não conseguem chegar ao fim da caminhada.
 
Cada grupo comporta dois «guias», bons conhecedores do caminho, que seguem na frente a ladear uma criança que transporta um crucifixo de madeira de vinte a trinta centímetros de altura, e o «procurador das almas», o último do rancho, a quem cabe receber os «registos» (pedidos) das orações em favor «das almas dos fiéis defuntos», feitos por particulares quando o grupo passa pelas povoações. A ele compete, também, somar as orações proferidas pelos romeiros ao longo do percurso (sempre pais-nossos e ave-marias) até perfazer o número de orações solicitadas.
 
 
As orações por alma dos defuntos só começam a ser rezadas já fora das localidades, depois de os romeiros terem procedido, primeiramente, às suas preces na igreja ou ermida do lugar, pedindo pela população, pela paz no Mundo e na família, pelos doentes e idosos, pelas crianças e jovens – e também, entre outras petições, para que «Nossa Senhora os livre dos abalos de terra, da fome, da peste, da guerra e de mortes repentinas».
  
 
Aqueles que pedem ao «procurador das almas» orações por sua própria intenção ou pelos seus defuntos, terão de rezar também eles um número de pais-nossos e ave-marias idêntico ao número de romeiros.

 

Cada grupo conta ainda com o seu «mestre», ao qual é devida obediência, sendo ele que decide sobre todos os assuntos, além de escolher os «guias», os «ajudantes» e os «oradores», elementos que orientam e proferem as «saudações» e preces nas igrejas e nas ermidas, ajudando o próprio «mestre». Este é de tal modo respeitado que, no caso de algum sacerdote integrar o grupo de romeiros, acata também ele as suas ordens. O «contramestre» faz igualmente parte do grupo, sendo aquele que substitui o «mestre» por motivo de doença ou outra qualquer impossibilidade.

 
 
Ao passarem nas povoações os romeiros entoam o hino da ave-maria, enquanto se dirigem à igreja ou ermida da terra. Se a porta do templo se encontra aberta, procedem ao cerimonial próprio da entrada, rezando, louvando o padroeiro da igreja, Nossa Senhora ou a Cruz, e entoando versos de teor religioso, que diferem de grupo para grupo, de acordo com a sua preferência, enquanto a música é comum a todos os grupos. No interior do templo, ajoelham, tornam a rezar, fazem os seus pedidos e voltam a entoar versos adequados à saída da ermida ou da igreja, onde, por vezes, é celebrada missa solene.
 
 
 
Se a porta do templo se encontrar fechada, os romeiros apenas entoam de pé as orações e os versos de saída, repetindo as petições, seguindo-se a entoação do hino.
  
 
  
Quando a noite cai, os romeiros, que se tratam entre si por irmãos, são convidados pelas famílias residentes nas povoações para tomar banho, comer e dormir. No caso do grupo ser numeroso, parte dele pernoita, geralmente, no salão paroquial ou na Casa do Povo das respectivas localidades. Na madrugada seguinte, lá estão, a pé, para prosseguir a caminhada de penitência devota e piedosa ao redor da ilha.
 
 
São os romeiros das brumas de São Miguel, a atravessar os povoados e a levar consigo a fé, a gratidão e o pedido de protecção ao alto dos Céus, pelo Mundo e pelos homens, sem esquecer os vulcões, os terramotos e a memória dos seus mortos.
 
Soledade Martinho Costa
 
 
Do livro “Festas e Tradições Portuguesas”, Vol.III
Ed. Círculo de Leitores
 
 
publicado por sarrabal às 00:28
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OS TEUS 100 ANOS

 
Se não tivesses partido, se fosses ainda viva, Tia Maria Eduarda, completarias hoje 100 anos de vida. E foi tão pouco o tempo que te separou deste dia: apenas quatro meses. Quatro meses incompletos que fizeram toda a diferença. «Viver sempre também cansa» dizia o poeta José Gomes Ferreira. Resolveste descansar. Ansiei que chegasses até ao dia de hoje. Fiz projectos. Pensei em mil e uma coisas que te agradassem. Que te fizessem feliz. Estavas bem. Nada fazia prever que nos ias deixar. A não ser a tua idade, 99 anos. Mas cheios de lucidez. Tempos atrás falaste-me no Manuel de Oliveira: iria completar, como tu, o centésimo aniversário. Ele conseguiu, tu não. E foi por tão escasso tempo. Não calculas a alegria que me daria dizer-te como foste importante ao longo da minha vida. Aliás, sempre to disse. Mas repetia. Actualmente, eras tu o único alicerce. O único pilar ainda de pé. O elo a ligar ao passado o nome da nossa Família. Composta, hoje, por elementos mais novos – mas que, sem se aperceberem, estão a envelhecer também. Fazes-me muita falta, Tia Maria Eduarda. Resta-me a consolação de teres sido, além de avó da Paula Cristina e bisavó da Mónica, já adolescente, a tia-avó de oito sobrinhos-netos e de cinco sobrinhos-bisnetos, estes muito pequenos ainda. Mesmo assim, já capazes de dizerem o teu nome, de te visitarem e de gostarem de ti. De continuarem a gostar de ti. Como eu. Não tenho palavras para dizer-te que o dia de hoje foi um dia triste, muito triste para mim. Lembrei-me de ti muitas vezes. Perguntar-te se foste feliz, não creio ser necessário. Sei demais da tua vida, tu sabes. Por vezes longe, estive sempre a teu lado. Foste a última a partir. A última de sete irmãos. Calhou-te a ti conhecer os vindouros. Nas suas veias corre o teu sangue. Têm o teu apelido. O nome da Família. Gostaria de ter-te oferecido um bolo com 100 velas. Este que te deixo não chega a tanto. Que sirvam para iluminar o teu caminho até chegares junto de Deus. Se por acaso já lá estiveres, lembra-te da nossa Família. E de mim. Tantas vezes falámos «de como seria depois». Agora já sabes. Eu ainda não. Mas que esse «depois» seja melhor, muito melhor do que este mundo em que vivemos. Deixo-te uma flor e um pequenino poema querida Tia Maria Eduarda.
 
Tua sobrinha
 
Soledade Martinho Costa
 
ESTRADA                         
 
O caminho
De pedras e de escolhos
Que foi para ti
A dádiva da vida
Não o recordes já.
 
Além
Perdida                                    
Atrás da estrela
Que pálida agoniza
Terás
Talvez
A estrada lisa
Que nunca este
Em teus olhos espelhou.
 
S.M.C.
                                                       
                       
 
publicado por sarrabal às 00:16
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Sexta-feira, 27 de Março de 2009

«O MEU MENINO É D'OIRO» - A PRIMAVERA

 

 
É a época das
Rosas tão rugosas
Tão belas
 
É a época dos
Bichinhos despertarem
Do sono intenso
 
E há uma
Felicidade no ar
Que apetece brincar
 
E toda a gente
Canta e dança
 
É a estação
Do amor
E da felicidade
Cheia de cor
 
O sol doirado
Reflecte as flores
Cheias de cores
Com o seu brilho
 
As abelhas
Tiram o pólen
Sempre a voar
E a cantar
 
Vão fazer mel
Para nós o saborear
É a natureza
A despertar
 
Os jardineiros
Sempre a regar
Os seus jardins
Com amor
 
E as rosas
A florir
 
É bom sentir
Que a primavera
Está a chegar.
 
Rafael, o escritor (9 anos) – texto não corrigido.
 
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Terça-feira, 24 de Março de 2009

COISAS DA VELHA DO ARCO - MÉTODOS PEDAGÓGICOS

 
O episódio a que assisti observei-o da minha varanda, em Alverca do Ribatejo.
 
Duas crianças, entre os sete e os nove anos, brincavam no passeio fronteiro. Ambos a residirem nos prédios vizinhos. Corridas, conversas, risos. Momentos volvidos, eis uma das crianças a choramingar. Não me apercebi do que se terá passado, mas quando as crianças brincam umas com as outras, é certo e sabido surgir algum choro pelo meio. Choro que depressa passa, resolvida a questão entre elas. Por vezes, mesmo sem que o motivo seja questionado. A criança choramingava e a mãe apareceu à janela – que as mães têm sempre os ouvidos bem apurados para estas coisas.
 
- Vasquinho, o que foi? – Perguntou ela.
Ao ouvir a mãe, como todas as crianças, o menino passou do choramingar ao choro mais audível. Tinha agora a força que lhe dava a voz da mãe. Sem falar, o pequenito estendeu o dedo na direcção da outra criança. Não foi preciso mais. Ouve-se o barulho de uma porta e a mãe sai do prédio e atravessa a rua.
- E o menino não sabe defender-se, não, Vasquinho? – Exclama em alta voz, dirigindo-se à criança, que redobra o choro.
- O menino não sabe que temos de nos defender? Porque é que não lhe bateu, diga lá? – E sacudia o braço da criança.
O choro continuava, agora mais pela admoestação da mãe do que pela razão que o motivara.
- Para a outra vez, Vasquinho, o menino tem de defender-se dos outros meninos, já devia saber isso. Bata-lhes, atire-lhes com qualquer coisa acima! – E num rompante credivelmente pedagógico sugere: - Olhe, se não tiver mais nada à mão e houver uma garrafa, dê-lhe mesmo com ela, ouviu bem? – E como remate:
- Agora vai para casa de castigo e já não brinca mais. Vamos embora!
Enquanto a outra criança assistia a tudo isto encostada à parede, sem pronunciar palavra ou fazer um gesto, o Vasquinho, arrastado pela mão da mãe, ainda teve forças para chorar mais alto, como derradeiro argumento contra a punição, no seu entender absolutamente injusta. Já pouco preocupada com as lágrimas a mãe finalizou:
- Vamos embora, digo eu, e pronto. É para lhe ficar de emenda, Vasquinho. Hoje acabou-se a rua e a brincadeira!
Ouvi a porta bater. O Vasquinho e a mãe tinham entrado em casa.
 
Ignoro se alguma vez o Vasquinho deu com alguma garrafa na cabeça de outra criança. Penso que não. Pelo menos, nada constou e em terras pequenas não há nada que não se saiba. Mas se calha o Vasquinho seguir o conselho materno? Teríamos, sem dúvida, uma bela notícia para abertura do telejornal: «Criança atinge outra criança com uma garrafa» – Belo título, não?
 
Soledade Martinho Costa
 
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Sábado, 21 de Março de 2009

DIA MUNDIAL DA POESIA - OS POETAS

 

 
Por haver ainda primaveras
A florir teimosas os jardins
Os poetas
Hão-de correr por entre os girassóis
Hão-de apanhar braçados de papoilas
E escrever o verbo amar em cada verso.
 
Por haver ainda um grão de sonho
A germinar no rumo dos sentidos
Os poetas
Hão-de sorrir à brisa nos pinhais
Hão-de encher os olhos de rios e de mar
E unir as mãos de todo o universo.
 
Hão-de abraçar o Sol do alto dos rochedos
Hão-de cantar a cor das violetas
E colher o pão de mil trigais.
 
Por haver ainda um grão de esperança
No avesso de cada pensamento
Os poetas
Hão-de fazer ouvir a vigília dos poemas
Hão-de voltar a colocar na fronte
Coroas feitas de louro e folhas de hera.
 
Por haver ainda madrugadas
Atrás de cada noite à sua espera
Os poetas
Hão-de tocar o brilho das estrelas
Hão-de moldar o barro das palavras
E deixar que a sua voz chegue mais longe.
 
Soledade Martinho Costa
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Quinta-feira, 19 de Março de 2009

DIA DO PAI - CARTA ABERTA AOS MEUS DOIS PAIS

 
Nunca vos escrevi. A ti, pai Lino António, por ser impossível. A vida apenas te permitiu ficares comigo até eu perfazer um ano de idade. Não me lembro das tuas feições, do carinho das tuas mãos, da tua voz. Mas conheço-te desde sempre. A mãe falava-me muito de ti. Sei muitas coisas a teu respeito. Da tua vida, vivida durante tão pouco tempo: somente vinte e dois anos. Conheço-te, ainda, pelas tuas fotografias. Por exemplo, aquela que tenho na minha sala em Alverca do Ribatejo. Eras um jovem tão bonito, pai! Alto, elegante, moreno, os olhos escuros, o sorriso tão leve que mal escondia a seriedade quase permanente do teu rosto. A teu lado está a foto da mãe, noutra moldura. São as fotografias que trocaram com dedicatórias de amor quando ficaram noivos, lembras-te?
 
Sei que cantavas bem. Que tocavas viola. Que escrevias poemas. Que te interessavas por política e odiavas o Estado Novo. Herdei de ti muitas coisas: canto bem, escrevo, os meus olhos e o meu sorriso são os teus. O meu próprio carácter, a forma de olhar os outros e o Mundo têm muito de ti, dizem. A mãe, tão nova, ficou sozinha. A morte não escolhe idades. Não lhe importa que uma jovem fique viúva. Que uma criança de um ano fique sem pai.
 
Provavelmente, foste tu quem escolheu depois o meu outro pai. Aquele que passados cinco anos viria a ocupar o teu lugar. Que acompanhou o meu crescimento: o pai Rafael. Sabes tão bem como eu que tu, se vivesses, não poderias dar-me mais amor do que o amor que ele me deu. Mais atenção. Mais mimo. Era ele que punha os brinquedos no meu sapato pelo Natal. Que me comprava os livros que lhe pedia. Que lia com enlevo os primeiros e incipientes poemas que escrevi. Junto da mãe era ele o meu intercessor. Foi ele, até hoje, o avô adorado dos teus netos. A tua neta Maria João, pôs ao primeiro filho o seu nome: Rafael. Agora que o teu neto Luís Miguel vai ser de novo pai, se for menino, irá chamar-se Lino Miguel. Em tua memória, pai. Os teus netos e bisnetos gostam de ti. Os teus bisnetos olham o teu retrato e o retrato do pai Rafael e já me perguntaram se «era bom ter dois pais, porque eles só têm um»!
 
Mas quero dizer ao pai Rafael, que deve estar por aí, a teu lado, que sinto uma pena sem medida, por não ter ouvido da minha boca esse chamamento tão doce: «pai». Porque desde a infância nunca consegui pronunciar essa palavra ao dirigir-me a ti, pai Rafael. Havia em mim um impedimento para o qual não encontro, ainda hoje, explicação. Eu sabia que tu não eras o meu verdadeiro pai, o meu pai biológico – embora o fosses na perfeição em todos os aspectos. Mas eu sentia que tinha o dever de preservar e honrar o nome do pai Lino. De não  repartir a palavra «pai»  com mais ninguém. Nem mesmo contigo, que demasiado o merecias. Só tenho a meu favor, e tu sabes, que não te tratando nunca por pai – embora a mãe insistisse comigo –, era por pai que te tratava quando, estando tu a meu lado, falava de ti a outras pessoas: família, amigos, conhecidos ou não. E tu ouvias e ficavas feliz. Na tua presença eu dizia com o maior à-vontade, sem inibições: «O meu pai ontem ofereceu-me dois livros». Ou: «Amanhã vou com o meu pai ao cinema». Ou ainda: «O meu pai não perde o vício de fumar!».
 
E foi o tabaco que te matou, pai, foi o tabaco. Eras alegre, vivido, mãos largas, bondoso, amigo do teu semelhante. Conhecido e estimado como poucas pessoas o foram em Alverca do Ribatejo – onde continuas a ser recordado. E também amado por mim, pai. Muito. Embora nunca to tivesse dito de viva voz. Havia em mim esse retraimento, absurdo, inexplicável, a impedir-me de to dizer. E teria sido tão fácil segredar-te: «amo-te muito, pai». Digo-to hoje. Mesmo assim, penso no pai Lino ao escrever estas linhas. Mas sei agora que ele não iria importar-se. Que nunca se teria importado. Que não se sentiria traído por mim. Nunca. Que a frase «amo-te muito, pai», podia repeti-la e reparti-la dirigindo-me a ele e a ti. Aos dois se ajustava. Por isso, aos dois agradeço. A um por me ter dado a vida. Ao outro, por me ter ensinado a vivê-la. A ambos por me haverem amado tanto.
 
A vossa filha
 
Soledade Martinho Costa
 
                                 
 
 
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Segunda-feira, 16 de Março de 2009

UTOPIA

  

Darfur, Sudão.
 
Quisera poder dizer
Estou convosco, irmãos
Tenho força nas mãos
E posso destruir
O mal do Mundo.
E não mentir.
 
Quisera poder dizer
Vou derrubar os muros
Enterrar no lodo
As pedras atiradas
Estancar com mel
O sangue
Das chagas escondidas.
 
Quisera poder dizer
Tomai o pão
Matai a vossa fome
Tomai a fonte
Matai a vossa sede
Trago-vos a paz
O fim da caminhada
Trago-vos o tempo
Construi o futuro.
  
Mas quem sou eu, irmãos?
Nada.
 
E aqui me fico
De mãos adormecidas
Mas a gritar por vós
Mesmo calada.
 
Soledade Martinho Costa
 
Do livro "Reduto"
 
publicado por sarrabal às 00:28
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Quarta-feira, 11 de Março de 2009

SEGREDOS - «O LIVRO DE GAZÉIS»

Carlos Nejar

 

Há coisas que mesmo a mim surpreendem por ser eu a própria protagonista delas. Trata-se dos tais lapsos, de que já aqui falei numa outra crónica. De qualquer modo, não passam de distracções que, felizmente, a ninguém prejudicam. Nem sequer a mim. Deixo hoje aqui outro exemplo de mais um desses meus «pequenos trocos» (trocas).
 
Como é natural, recebo convites para estar presente na apresentação de obras literárias. Umas vezes enviados pelos autores, outras pelas editoras. Como também é natural, umas vezes estou presente, outras não estou. Assim aconteceu com um convite que recebi da Moraes Editora, aqui há uns bons anos. Tratava-se do lançamento da obra «O Livro de Gazéis», incluída na «Colecção Canto Universal» (livro publicado no Brasil pela Record-Poesia). O seu autor era Carlos Nejar e o lançamento tinha lugar no Centro de Estudos Judiciários (CEJ). Resolvi ir.
 
Conhecera Carlos Nejar uns anos antes, durante o Encontro de Poesia Peninsular que se realizou na Figueira da Foz. Na altura conversámos, trocámos impressões sobre o Encontro e também sobre algumas das comunicações apresentadas, Nejar pediu-me uma cópia da minha comunicação («A Importância da Poesia na Literatura para a Infância») e por ali nos encontrámos durante os dias que durou o Encontro.
 
Entretanto, sou sincera, com o tempo, as feições de Carlos Nejar foram-se diluindo da minha memória visual. Sucede que dias antes do lançamento de «O Livro de Gazéis», recebi a obra pelo correio com uma amável dedicatória do seu autor: «Para Soledade Martinho Costa, com amizade, desde a Figueira da Foz».
 
Quando cheguei ao Centro de Estudos Judiciários, encontrei amigos e a conversa instalou-se. Pouco depois, entrava o editor, na altura Nelson de Matos, acompanhado de dois autores e de um terceiro elemento que não identifiquei. Foi este último que se me dirigiu, dizendo que «tinha imenso gosto em voltar a encontrar-me». Mais. «Que não estava esquecido do Encontro na Figueira da Foz». Era brasileiro. Com várias dezenas de escritores na Figueira da Foz, incluindo brasileiros, a revelação não me disse muito. Fiquei apenas a saber que a pessoa com a qual conversava me havia conhecido nessa ocasião. Entretanto, alguém chama o meu interlocutor, que se perde na sala.
 
Nesse dia tinha alguma pressa, e a apresentação de uma obra literária seguida da costumada sessão de autógrafos leva o seu tempo. Por isso, antes do início da apresentação, preferi dirigir-me ao autor, tanto mais que teria de agradecer-lhe o amável envio do livro. Depois, assim que me fosse possível, retirar-me-ia discretamente. Era esta a minha intenção. Aproximei-me de um pequeno grupo que conversava quase a meu lado, e perguntei:
 
- Sabem se já chegou ou onde está o Carlos Nejar?
Reparei que me olharam surpresos e um deles disse:
- Estás a brincar, não?
- Não, não estou. E porque razão havia de estar? – Respondi.
Para meu espanto a explicação:
- Ora, porquê? Então não estiveste a falar com ele este tempo todo?!
 
Fiquei muda. Envergonhada. Naquele momento a minha situação tornou-se incómoda, embaraçosa. Bastava-me ver a cara dos meus conhecidos a olharem para mim. O caso não era para menos, pensei. Não é que se me tinham varrido completamente as feições do autor e não havia aliado, nem pelo sotaque, o nome à pessoa com a qual conversara momentos antes? Ainda ouvi uma gracinha vinda do grupo: «Se calhar, são os efeitos da caipirinha!»
- Não, porque não bebo. Mas qualquer um pode ter um lapso, ou não? – Defendi-me, sabendo que a causa não tinha defesa possível.
 
Já não fui cumprimentar Carlos Nejar. Durante a nossa conversa, além de não lhe haver agradecido o envio do livro, nem sequer lhe apresentara os convencionais parabéns pela saída da obra. Agora era tarde e o propósito inadequado. Ignoro o que ele terá pensado. Fosse o que fosse, não seria, certamente, muito abonatório para o meu lado…Não deixei de assistir ao lançamento e saí «à francesa», antes da sessão de autógrafos.
 
Aqui fica mais este registo das minhas confusões, ou aquilo que lhe quiserem chamar. Também é certo que não há ninguém perfeito, não é? Daí, estes meus «pequenos trocos» que se não servem para muito, servem, pelo menos, para alinhavar estas linhas.
 
Para ser sincera, esta crónica surgiu também por uma razão simples. Li há dias que o poeta Carlos Nejar, advogado e professor, nascido em Porto Alegre, membro da Academia Brasileira de Letras, é considerado um dos 20 poetas fundamentais do Brasil contemporâneo. Ao lado do espanhol Ricardo Alberti e do francês Yves Bonnefoy, Nejar figura ainda como um dos grandes poetas da actualidade entre «37 poetas chaves do século» abrangendo 300 autores memoráveis, no período compreendido de 1890-1990, assim o classifica a influente e conceituada publicação “Quarterly Reviw of Literature”, de Princeton, New Jersey (EUA). Juntamente com Octávio Paz, Jorge Luís Borges, César Vallejo, Nicanor Parra, Cruz e Sousa e Carlos Drummond de Andrade, Carlos Nejar, uma voz emblemática e universal, é igualmente o escritor distinguido no ensaio do crítico suíço Gustav Siebenman, “Poesia y Poéticas del Siglo XX En La América Hispana y El Brasil” (Ed. Gredos, Biblioteca Românica Hispânica, Madrid, 1997).
 
Estudado nas principais universidades do Brasil e Exterior, com vastíssima obra publicada (mais de 30 livros, incluindo alguns títulos para a infância), tradutor e romancista de talento reconhecido, Carlos Nejar é detentor de cerca de uma dezena de prémios literários e outras importantes distinções que lhe foram atribuídas.
 
Que «O Livro de Gazéis» me tinha agradado é uma verdade, embora não me tenha sido possível, pelas razões expressas atrás, comunicá-lo de viva voz ao seu autor. Mas desconhecia o percurso e prestígio literário alcançado e consolidado, entretanto, por Carlos Nejar.
 

 

Receosa de que «O Livro de Gazéis» tivesse desaparecido do lugar onde o havia posto, fui procurá-lo. Lá estava, entre outros livros, no sítio onde o tinha colocado, capa branca, com o título a vermelho, o nome do autor, discreto, a negro. Fiquei mais descansada.
 
Na casa de Alverca do Ribatejo houve um tempo em que os livros ocupavam não apenas as estantes e escrivaninhas, mas também algumas gavetas e armários. Fui obrigada a fazer uma opção. Retirei – com alguma pena minha – todos os livros que, por um motivo ou outro, me diziam menos e ofereci-os à Biblioteca Municipal da minha cidade. Depois do que li sobre o escritor, confesso que foi com outros olhos que reencontrei «O Livro de Gazéis». Um dia, quem sabe, talvez mande uma cópia desta crónica ao Calos Nejar.           
 
Soledade Martinho Costa
 
publicado por sarrabal às 00:51
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Domingo, 8 de Março de 2009

DIA MUNDIAL DA MULHER - UM NOVO OLHAR

 Welwitschia Mirabilis (flor que existe apenas em Angola, no deserto do Namibe).
 
 «Nada acontece por acaso» é uma frase que se ouve muitas vezes. Será verdade? Se assim é, querida Maria Eugénia Neto, não foi por acaso que a data do seu aniversário recaiu neste dia tão especial.
 
Para lhe enviar os parabéns escolhi a Welwitschia (nome da sua neta) e um poema, que lhe ofereço com a minha amizade de sempre.
 
Aqui de Portugal, beijinhos e até logo!
 
Soledade Martinho Costa
 
 
UM NOVO OLHAR
 
Talvez
Eu seja agora
Outra mulher.
 
Talvez
Que sobre mim
Eu vista um novo olhar.
 
Talvez em cada madrugada
Eu diga
Estou aqui
Neste lugar
Que sempre foi o meu.
 
Aquilo que sonhar
Ou que fizer
Aquilo que pensar
Ou que disser
Será por obra e graça de ser eu.
 
Ser mulher
É repartir
É repetir
Em cada gesto
O mesmo amor.
 
É oferecer
Quer ao sorriso
Quer à dor
Cada segundo
Que temos para cumprir.
 
Talvez
Eu seja agora
Outra mulher
Na forma de sentir
E de me expor.
 
Tentei
Construí.
 
Fui laço
Aliança
Berço e trave
Alicerce
Chave
Tecto e abraço
Porta que se abre
Janela por onde a luz
Inunda o espaço.
 
Caminhei
Consegui.
               
Mas sei
Que apenas dei
Não recebi.
 
Soledade Martinho Costa
 
 
 
publicado por sarrabal às 02:34
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Sexta-feira, 6 de Março de 2009

HISTORINHAS - A LEBRE

 

Comadre lebre, à porta da toca, orelhas levantadas, deita um olhar ao matorral que cerca a sua casa.

 

- Não há dúvida de que a geada fica bem bonita, assim, pousada sobre os campos como um véu de lantejoulas brancas! – Exclama ela. – O pior é que de beleza ninguém enche a barriga. Enchem-se é os olhos, isso sim. Agora o papinho, era bom, era. Hoje, por exemplo, com tanta beleza, enchia-se a barriguinha até fartar. Mas não. Pobres dos bichos que têm de procurar alimento nas manhãs como esta. Que, por mim, pouco me ralo. Vou continuar a dormir um sono e só pela tardinha tenciono pôr as patas fora da toca. Quanto ao frio, ora, no Inverno já estou habituada. Também, para alguma coisa me há-de servir o fato de pêlo…Assim não me saia ao caminho bicho ruim ou algum caçador! – E a lebre entra no buraco que lhe serve de toca e volta a enroscar-se na cama quente do calor do seu corpo.
 
Para ela, os dias no Inverno, embora os mais curtos do ano, em nada alteram a rotina a que se habituou. Dorme durante o dia e só ao entardecer ou à noitinha se mostra activa e afoita. Activos são também os seus filhos, os lebrachos, que nascem de olhos abertos e com pêlo a cobrir-lhe o corpo. Mãe lebre amamenta-os então durante três semanas. Apenas com um mês de idade os filhotes estão prontos a deixar a casa materna e a enfrentar a vida. Sendo por natureza um bicho solitário, a lebre aceita a companhia do marido, o senhor lebrão, embora recuse viver em comunidade.
 
 
De cauda curta e orelhas demasiado compridas, ouve muitíssimo bem mesmo a dormir. O seu olfacto e visão são igualmente apurados. Agora corredora, não há outra! Por isso, tem as patas traseiras mais desenvolvidas do que as dianteiras, o que lhe permite uma melhor adaptação à corrida, extremamente veloz. Mas cautelosa, a nossa amiga lebre não corre nunca em linha recta. A mesma precaução faz com que mude de casa numerosas vezes. Abre muitas tocas mas nunca regressa às tocas onde já tenha morado.
 
No que respeita à comida, não passa fome durante o Inverno. Come raízes, folhas, ervas, bagas, cogumelos, cascas de árvore e troncos tenros, Uma felizarda, a comadre lebre, talvez por ser herbívora. Conquanto não se importe de saborear animal que lhe apareça à frente morto por doença ou por algum caçador…
 
Soledade Martinho Costa
 
                                                       
Do livro “Histórias que o Inverno me Contou”
Ed. Publicações Europa-América
publicado por sarrabal às 00:23
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