NATÁLIA CORREIA
A Mátria foste um dia
E o grito ergueste
Que forte era a razão
E grado o jeito.
Deixaste a tua voz
Soar mais longe
Ficaram as palavras
E o motivo
Do fogo que te coube por direito.
Lançados sobre a terra de cultivo
Poemas semeaste
Num assomo de incerteza e de receio
Como filhos arrancados ao teu peito.
Soledade Martinho Costa
Do livro O Nome dos Poemas
Publicações Vela Branca
Ainda dorme o Sol
E elas já se apressam
Mal sonhadas
Na madrugada do dia
Que amanhece.
Braços ao alto
Cansados de cuidados
Seguram as canastras
Num gesto repetido
Repartido
Entre o pousar dos dedos
Sobre as ancas.
Rostos lavados
As palavras francas
Seios arfantes
Avançam na manhã.
Tudo nelas me espanta
Me seduz
Mas os seus braços
Na cadência apressada do seu passo
Tão cheios de um vigor pleno de graça
Só os comparo no jeito
A duas asas
No corpo de uma pomba que esvoaça.
Soledade Martinho Costa
Do livro “A Palavra Nua”
Ed. Vela Branca
Tela: «As Varinas», Eduardo Malta
Com ar sabedor
falava ao Leão
rei dos animais
o Mocho Doutor:
— Oiça o que lhe digo
Senhor Rei Leão:
quer queira
quer não
há-de vir um dia
em que os animais
façam à porfia
uma revolução!
Não sacuda a juba
não diga que não
pois a quem agrada
ter um Rei assim
sentado no trono?!
Brutal
comilão
que só pensa em si
em fazer festança
encher bem a pança
e dormir um sono?!
Depois
não se queixe Vossa Majestade
eu estou a avisá-lo com boa vontade
Um dia verá:
Verá que hão-de vir
os fortes Bisontes
as pacatas Zebras
os Ursos ferozes
as Águias Reais
Falcões e Serpentes
Lobos e Chacais.
As altas Girafas
serenas Gazelas
Veados
Raposas
Castores e Macacos
e outros bichos mais.
Verá que hão-de vir
e então…
Então
bem os há-de ouvir
gritar com razão:
— Abaixo o reinado
D´el Rei Dom Leão!
Abaixo o reinado
D´el Rei Dom Leão!
Depois
bem…
Depois pouco mais.
Com prazer (aposto)
há-de ser deposto
pelos animais!
E noite avançada
até o Grilinho
com chapéu de coco
cantará
já rouco
a cair de sono:
— Vencemos! Vencemos!
El Rei Dom Leão já não está no trono!
Vencemos! Vencemos!
Já só é Leão
sem ceptro
e sem trono!
Deitarão foguetes
farão uma festança
e enfim
será livre
a nossa Floresta!
Soledade Martinho Costa
Do livro Um-Dó-Li-Tá
Ed. Figueirinhas
Ao soar do adufe em tua mão
Abre em esplendor um cravo rubro
Que teima, que resiste
A renascer da espera do teu povo
Na raiz da esperança que se fez canção.
Mas se a mudança tarda, se não foi além
Ainda estando tu junto de nós
Nela respira o apelo que sonhaste
Nessa herança apetecida
Que nos traz os teus poemas no som da tua voz.
Soledade Martinho Costa
Do livro «O Nome dos Poemas»
Ed. Vela Branca
Hei-de voltar um dia ao Alentejo
Que de saudades eu não posso mais
Para sentir no rosto o beijo aceso
Do vento quando volta dos trigais.
Hei-de voltar um dia ao Alentejo
Ao canto das cigarras pelo Verão
Ao vulto dos pastores que se demoram
À procura da sombra pelo chão.
Hei-de voltar um dia eu sei que volto
Para rever os meus e a minha casa
A minha terra amiga como brasa
Aonde a espiga se transforma em pão.
Quero que adormeça nos meus olhos
a vastidão das tuas planíces nuas
e acorde em meus ouvidos os teus cantes
a deixar um travo doce pelas ruas.
Meu Alentejo de giestas e de sede
das ceifas e montados ancestrais
Meu Alentejo meu país sem medo
Que de saudades eu não posso mais.
Soledade Martinho Costa
(Reescrito com uma nova estrofe. A primeira versão encontra-se Incluída no CD «Contra a Corrente», com música de José Cid e interpretação de Jorge Góis)
Se algum dia chegasse a libertar-me
Deste laço a tornar-me prisioneira
Voltaria de certeza a enlear-me
No teu braço que me traz nesta cegueira.
Tão certa do que digo e do que faço
Espero por ti parada frente ao tempo
Como um retrato antigo de menina
Com um bouquet de rosas no regaço.
Sem esperança de esquecer-te
E de encontrar-me
Meu coração aos pés
Da tua imagem
Sou a pedra que mora sob o rio
Mas com ele não parte de viagem.
E quando o dia morre na voragem
Das horas que se apressam sem retorno
Acendem-se as estrelas na paisagem
E a voz do vento chama pelo teu nome.
Soledade Martinho Costa
Pintura: George Cochran
Do livro «Um Piano ao Fim da Tarde»
Edições Sarrabal
À semelhança de outras festividades cíclicas do calendário, o Carnaval terá origem nas festas imperiais da Antiguidade, mais concretamente nas Saturnais, realizadas em Roma em louvor de Saturno (primitivo soberano dos deuses e depois importante divindade agrária), que decorriam entre o dia 17 e o dia 23 de Dezembro (no reinado de Júlio César), marcando o final do ano dos Romanos e o princípio de um novo ano agrícola.
Durante as Saturnais, os escravos tomavam o lugar dos senhores, vestiam como eles, satirizavam o seu comportamento ou as suas singularidades, e chegavam a ser servidos à mesa pelos próprios amos. Abolida, temporariamente, a diferença entre escravos e homens livres, uns e outros, nesta espécie de Carnaval pagão, jogavam, comiam e bebiam juntos, em alegre convívio.
Os combates em tempo de guerra eram suspensos, os presos amnistiados, as penas capitais adiadas, os tribunais fechavam e cessavam todas as hostilidades nas cercanias das fronteiras.
Festividades semelhantes tinham lugar na Grécia com o nome de Kronia, onde os escravos, tal como em Roma, usufruíam de um curto tempo de liberdade durante as celebrações.
Vamos encontrar também o Carnaval associado às Bacanais ou Grandes Dionisíacas (festa da terra, do vinho e das florestas), efectuadas em Roma e na Grécia em louvor de Baco ou Dioniso (com a prova do vinho novo), que decorriam nos três meses de Inverno, celebradas, principalmente, pelos camponeses, que se apresentavam mascarados durante as festividades.
As Dionisíacas rurais contavam ainda com a exibição de danças, a cargo das bacantes (adoradoras do deus grego e romano do vinho), restando hoje, supostamente, dessas remotas festividades, os actuais cortejos (incluindo as procissões), acompanhados por música.
Daí, o Carnaval, conforme se supõe, ter sido, no seu início, tão-só uma manifestação de carácter processional ligada a vários rituais do final do Inverno e princípio da Primavera. Não se exclui ainda a hipótese de representar uma reminiscência das festividades consagradas a Ísis, a mais ilustre das deusas do Antigo Egipto, comemoradas no Outono e nos primeiros dias de Março, em Roma.
Adorada pelos Gregos e pelos Romanos, Ísis era considerada a deusa universal e suprema, a iniciadora, aquela que detinha o segredo da fecundidade, da vida, da morte e da ressurreição.
Das cerimónias com as quais a celebravam, destacava-se a de lançar ao mar uma barcaça – o carrus navalis (carro naval) – repleta de oferendas, após ter sido abençoada por um sacerdote, tendo o ritual por objectivo a purificação e a fecundidade das terras.
A multidão assistia mascarada à partida da barca, prosseguindo depois em procissão pelas ruas, crente nos favores de Ísis, isto é, na generosidade da terra com o germinar das novas sementeiras e o provir de colheitas abundantes. O carrus navalis fazia-se representar nas procissões e nas mais diversas manifestações festivas, ficando o seu nome, com o passar do tempo, associado, com ou sem razão, ao do Carnaval.
Na era cristã, a explicação etimológica para o termo «Carnaval» aponta para a palavra carnisvalerium (carnis de carne, valerium, de adeus), o que designaria o «adeus à carne» ou à «suspensão do seu consumo», em função da quadra seguinte: a Quaresma, em que a carne é abolida da alimentação na religião cristã.
A própria designação «Entrudo» – ainda muito utilizada entre nós, principalmente no meio rural –, do latim introitus (intróito), apresenta igual significado: o de introduzir, dar entrada, começo ou anunciar a aproximação da quadra quaresmal.
Em Portugal, uma das primeiras referências ao Entrudo, encontra-se num documento datado de 1252, no reinado de D. Afonso III, embora não propriamente relacionado com as festividades carnavalescas, mas com o calendário religioso.
Na época de D. Sebastião, são várias as menções que salientam as brincadeiras do Entrudo, entre elas a do «lançamento de farelos», que nem sempre acabavam bem. «Entrudos» (ou «entruidos») é também o nome atribuído em diversos lugares aos próprios mascarados, consoante as regiões do nosso País.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Festas e Tradições Portuguesas», Vol. VII
Edição Círculo de Leitores
Foto: Carnaval tradicional da freguesia de Lazarim, Lamego, Viseu
São a roca
E o fuso
Em tuas mãos
A tecerem o nome
À solidão
Que come o pão
Contigo
À tua mesa.
São a roca
E o fuso
Nos teus dedos
A tecerem o linho
Da tristeza.
Foram caminhos
Feitos de caruma
Foram rebanhos
Tocados por varinha
Foi a brasa do forno
A cozer broa
Foi o cheiro às estevas
No teu corpo.
Já nada se repete
Ou se adivinha
Já nada te consome
Ou te magoa.
Fiandeira
Dos dias que te sobram
Olhos postos
Aos pés do abandono.
Na tua cama o sono
Rés ao sonho
Sem que o Inverno traga
A Primavera
Quando as cegonhas partem
No Outono.
Soledade Martinho Costa
Do livro Um Piano ao Fim da Tarde
Tela: «Velha Fiando», José Malhoa
Rodou nos gonzos
O ranger antigo
A sentir na mão a faca apetecida
Com que rasgou o oiro do Outono
E a repelir silêncios reprimidos
Sorveu como da fonte a brisa à madrugada.
Deu passos ao acaso
Como um tonto
Passou as mãos pelos olhos
Não sonhava.
Então
Ergueu a fronte
Endireitou os ombros
E agradou-se dos cardos
Das urtigas
Das paredes de pedra
Do postigo
Da casa mutilada
Denegrida
E assobiou aos melros e aos pardais.
Depois
Transfigurou os traços do seu rosto
Experimentou a força dos seus braços
E a olhar os campos e os montes
Sorriu de manso à terra adormecida
A imaginar os pastos e os trigais.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Poemas do Sol e da Cal»
Ed. Editorial Presença
Foto: Luantes Luís Antunes
No olhar que se adensa
Para além das horas
Fica-te o cismar dos deuses
E dos sábios
Enquanto dos teus rubros lábios
Te escorre
O gosto doce das amoras.
Fada dos montes
Dos carreiros e atalhos
Trazes nos dedos
Anéis de escarpas
E rochedos
E a sede matas
Na frescura dos orvalhos.
Por ti se prende
E apaixona o próprio vento
Que passa e chora
E to repete num lamento
A estremecer-te o corpo virgem
Todo inteiro.
Corpo de semente
Cheirando a Primavera
De mãos rudes e crentes
Vestindo folhas de hera
Esposas das manhãs
Do denso nevoeiro.
Soledade Martinho Costa
Do livro Reduto
Foto: Jorge Barros (Parada de Cunhos, Vila Real)
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